quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O Mundo dos Brincas

A caixinha de plasticina do Miguel estava separada com divisões para não misturar as cores. Gostava de fazer figuras para brincar. Por vezes, deixava-as feitas dentro da caixa, junto ao resto, não moldado, para brincar no dia seguinte.
Naquela tarde, tinha feito uma figura, na sua cor preferida, o verde. Era um boneco muito simples, duas bolas unidas, uma maior e outra mais pequena. Nos olhos colocou dois botões brancos, nos pés, duas partes de molas de roupa e nos braços dois pedaços de corda também branca, com uns nós nas pontas.
Quando a figura estava formada, não conseguiu desfazê-la. Ficou a olhar para o boneco, a pensar que nome daria a figura tão caricata.
Já ao anoitecer, tentava dormir mas a imagem do boneco simpático verde pairava na sua mente.
Uns barulhos estranhos vinham de dentro da caixa. Parecia que os pedaços de plasticina ganhavam vida. De repente, uma voz:
-Miguel, Miguel, tira-me daqui!
Abriu os olhos meio estremunhados e viu apenas sombras no quarto. Tinha medo, muito medo do escuro. Adormecia sempre com luz de presença.
Levantou-se e da prateleira do armário dos brinquedos a caixa mexia-se sozinha. Conseguia ver porque, uma parte dos estores, do quarto, estava aberta e a claridade do candeeiro da rua iluminava aquela parte da divisão.
Apesar do receio da escuridão, Miguel levantou-se da cama e dirigiu-se ao armário, parando a olhar para a caixa, que se voltou a mexer:
-Não fiques parado a olhar para mim! Liberta-me daqui!
O menino ganhou coragem e abriu a caixa. Assim que a destapou algo saltou e bateu contra um carro que estava mesmo ao lado. Miguel assustou-se, caindo para trás e ficando sentado no chão.
-Ai, ai, cuidado que me amolgas! Ao menos merecia um pedido de desculpas! Não falas? Malcriado! Quando tiver com o Rei TITE vou fazer queixa de ti.
Miguel, do chão não conseguia ver nada e levantou-se. Qual não foi a sua surpresa quando viu o boneco simpático, estatelado na porta do carro telecomandado.
-E tu? Não fiques a olhar para mim com esse ar de espanto! Já viste esta malcriação? Nunca tinha visto ninguém violar as Normas do Grande Puzzle. Deve ser OCO.
-Quem é o Grande Puzzle, o rei TITE e tu?
-Não sabes quem sou? Essa agora! Fizeste-me ontem à tarde, libertaste-me e não me reconheces?
-Sim, fiz-te mas, mas…tu falas?
-Claro que falo! Porque não deveria falar? Vocês, os Grandes Cabeças com Pelo, são mesmo ignorantes.
-Porque nos chamas assim?
-Ora, porque vocês só têm pelo na cabeça. Nós, os Brincas, ou temos no corpo todo ou não temos. Vocês só têm nessa Grande Cabeça.
-Quem são os Brincas?
-Tu não te cansas de fazer perguntas, pois não?
-Desculpa mas tens uma linguagem estranha!
-Todos nós os Brinquedos feitos por crianças falamos. Somos diferentes dos outros comprados, os OCOS. Saímos da vossa imaginação, logo temos vida própria.
-E onde vocês vivem?
-Vivemos em todo lado. Temos um Rei, o grande TITE, que vive num castelo criado por um menino algures no mundo.
-E as regras que falaste? As do Puzzle.
-Não são do Puzzle! São as do Grande Puzzle! São regras de bom comportamento que um dia uma menina escreveu numa cartolina, com desenhos e recortou para fazer um puzzle. Foi uma maneira de aprender como se comportar à mesa, na rua, na escola e em casa. Ao tentar refazer o puzzle aprendia as regras de uma menina bem comportada.
-Certo mas como é que tu as sabes?
-Miguel, Miguel, está na hora de acordares para ir para a escola!
O menino acordou, levantou-se de repente, olhou para o armário e a caixa estava exatamente como a tinha deixado.

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